Não sei bem onde está o começo, se há começo

Não sei bem onde está o começo, se há começo. O de que me lembro era a vontade de silêncio, quando as coisas ganhavam barulho demais. O de que me lembro era a leitura atenta, primeiro, dos livros que a mãe trazia da biblioteca da escola para os dias das chuvaradas no inverno duro do sul. Depois, a procura, estante a estante, na biblioteca municipal de algo que me ajudasse a processar o mundo e a mim mesma. Encontrei o Herman Hesse, o Fernando Pessoa, o Hermógenes e o Gibran numa fase de descobertas adolescentes ajudada pelas queridas professoras de filosofia e psicologia do ensino médio. Foi. Enquanto lia, viajava para dentro mais um pouco e de lá retornava com uma disposição diferente para atravessar os dias e descobrí-los. As nuances, os turbilhões, o claro, o escuro. Nessa época conheci o mar. Atravessei o estado, do oeste, lugar dos campos ondulados, do céu apinhado de estrelas no despovoado da campanha, ao leste. Aquele céu juntou-se à água, a mesma imensidão. Guardei.

Anos depois, quando fui demitida do meu primeiro trabalho como psicóloga em Porto Alegre e não vendo muita perspectiva de sustentação e autonomia na capital, decidi deixar tudo para trás e voltei para a cidade onde nasci. Lá trabalhei no campo, num lugar onde não havia luz elétrica e água encanada, fazendo coisas bem distintas do que fazia no espaço urbano. Passado um tempo, voltei a trabalhar na cidade num projeto com adolescentes em situação de rua e num outro com idosos asilados. E foi no asilo que conheci o yoga. Trabalhei junto com a Jacqueline Brenner Zamberlam*, instrutora de yoga, estudiosa das coisas que eu desenvolvera afinidade pelas leituras que descobrira na adolescência. O trabalho era simples. Conversávamos com as pessoas; sobretudo, as escutávamos, respirávamos e alongávamos. Dali a experimentar o yoga num outro contexto foi rápido. Engravidei em momento complicado do casamento e a prática iniciada me ajudou a achar o rumo, aquietar os sentimentos desordenados. Na época, eu fazia três coisas que hoje reconheço terem sido fundamentais, nadava, praticava yoga e estudava para um concurso público em Porto Alegre. A presença da água dentro e fora de mim, a fluidez dos movimentos do corpo na possibilidade da piscina, a música utilizada na hora do relaxamento estaiaram meu barco e partí. Ancorei em Porto Alegre outra vez. O Bruno nasceu, está crescendo, casei de novo e mudamos para Florianópolis. Aqui perto está o mar, cujo rumor, barulho, vento e força ouço e sinto sempre que ganho o silêncio. Silêncio que apreendo e aprendo do yoga e do vedanta. Coisas que me afetam positiva e definitivamente e me fazem diferente do que fui, me aproximando cada vez mais do que sou.

  • A mesma Jacqueline, 15 anos depois disso tudo, me apresentou o curso on line grátis do Jonas.

Leia também o texto de Bianca Vettorato sobre seu encontro com Vedanta

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